“Consórcio da Paz” enfrenta críticas após operação policial deixar 121 mortos no Rio
Governadores lançam projeto de combate ao crime, mas especialistas denunciam uso político da linguagem
Fernando Frazão/Agência Brasil O que deveria ser um pacto federativo pela segurança pública acabou se tornando alvo de duras críticas. Após a Operação Contenção nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro — que resultou na morte de 121 pessoas em 28 de outubro de 2025 — governadores aliados de Cláudio Castro lançaram o “Consórcio da Paz”, um projeto político de combate ao crime organizado. No entanto, especialistas e acadêmicos afirmam que o discurso adotado pelas autoridades inverte o real sentido das ações e amplia o risco de retrocessos democráticos no país.
Discurso da segurança pública em xeque
Lançado como resposta à escalada da criminalidade, o Consórcio da Paz conta com a adesão de sete governadores: Cláudio Castro (RJ), Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Jorginho Mello (SC), Eduardo Riedel (MS), Ronaldo Caiado (GO) e Ibaneis Rocha (DF). A proposta prevê integração de ações policiais e troca de inteligência entre os estados. No entanto, o nome do consórcio tem sido duramente criticado por especialistas.
“O nome é uma tentativa de camuflar a brutalidade da operação”, diz o sociólogo Ignacio Cano, professor da UERJ. “Deveria se chamar Consórcio da Morte”, afirma, referindo-se à operação mais letal já registrada no Brasil. Para ele, a retórica utilizada tenta dar verniz de legitimidade a ações que priorizam a letalidade em detrimento da segurança pública com base em direitos.

Corpos são enfileirados na Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção, na última terça-feira (28). Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil
“Narcoterrorismo”: um termo sob ataque
Outro termo recorrente entre os governadores é “narcoterrorismo”, usado para classificar facções como o Comando Vermelho e o PCC. Para a cientista política Jacqueline Muniz, professora da UFF, o uso do termo tem mais motivação política que técnica. “É uma bobagem que atrapalha a polícia, a sociedade e o governo. Serve para pedir mais poder, mais dinheiro e menos transparência”, aponta.
Segundo a legislação brasileira (Lei nº 13.260/2016), terrorismo se aplica a atos com motivação política, racial ou religiosa. Organizações criminosas, como o tráfico de drogas, têm outra classificação legal. Ainda assim, tramita no Congresso o PL 724/25, que tenta ampliar o conceito de terrorismo para incluir o tráfico de drogas — proposta de autoria do deputado Coronel Meira (PL-PE).
O sociólogo Ignacio Cano considera o uso de “narcoterrorismo” conceitualmente incorreto. “O objetivo do tráfico é lucro, não política. Isso não é terrorismo.”
Influência externa e riscos geopolíticos
A retórica adotada pelos governadores brasileiros segue o exemplo de países como Argentina, Paraguai, El Salvador e Estados Unidos, que passaram a classificar facções criminosas como terroristas. Para os especialistas, isso representa uma mudança perigosa de paradigma e pode abrir portas para interferências internacionais.
<img src="https://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/default/files/thumbnails/image/23032024_castro_cicc.jpg" alt="Governador Cláudio Castro durante coletiva no CICC, no Rio de Janeiro" />
**Legenda:** Governadores como Cláudio Castro defendem maior enfrentamento ao crime com base em integração nacional.
📷 *Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil*
“É uma forma de os Estados Unidos intervirem de forma mais efetiva no território nacional, sob o pretexto do terrorismo”, afirma Jonas Pacheco, da Rede de Observatórios da Segurança. “Mas isso fragiliza garantias legais e institucionais”, completa.
Segundo Pacheco, a adoção de uma retórica de guerra serve para promover controle social via medo, e não a resolução do problema.
“Guerra às drogas” e o impacto sobre territórios vulneráveis
O uso recorrente de termos como “guerra às drogas” também foi criticado pelos especialistas ouvidos. Para eles, esse tipo de discurso reforça a criminalização da pobreza e da negritude, ao focar ações policiais em favelas e comunidades vulneráveis, ignorando os elos financeiros do crime em regiões ricas.
“Quem é o inimigo nessa guerra? É o traficante da Faria Lima? Não. É o jovem preto da favela”, diz Jonas Pacheco. Para Jacqueline Muniz, segurança pública não é sinônimo de repressão. “Ela deve preservar vidas, e não eliminá-las. A linguagem bélica transforma a exceção em regra.”
Cano também alerta para o risco de se permitir ações sem fiscalização. “Quando o Estado mata sem controle, todos estão em risco. E, uma vez instaurado o autoritarismo, o alvo pode mudar de endereço”, adverte.

Operação policial após ataques às bases das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, no início do ano. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Conclusão reflexiva
O lançamento do Consórcio da Paz, longe de trazer tranquilidade à população, revelou-se mais uma peça na disputa narrativa sobre segurança pública no Brasil. A escolha das palavras importa — e muito. Conceitos como “guerra”, “narcoterrorismo” e “pacificação” têm consequências reais sobre a política, a vida dos cidadãos e os rumos da democracia.
Debates como esse evidenciam a urgência de repensar o modelo de enfrentamento ao crime, priorizando inteligência, inclusão social e respeito aos direitos humanos, em vez de alimentar a retórica do medo.
Pergunta para interação
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