Violência nas Escolas: Como Caxias do Sul e São Paulo Enfrentam o Trauma dos Ataques
Do luto ao recomeço: as marcas deixadas por ataques violentos em escolas e o esforço coletivo para reconstruir a confiança

“É por isso que fazem o que fizeram na João de Zorzi.” A frase dita por uma aluna, dias após um ataque a faca em Caxias do Sul (RS), ainda ecoa na mente da professora Juliana. Em outro ponto do país, em São Paulo, o trauma do ataque na escola Thomazia Montoro em 2023 segue presente. Casos como esses escancaram uma realidade urgente: a violência nas escolas brasileiras se tornou recorrente, exigindo respostas estruturadas e empáticas. Enquanto professores, alunos e familiares tentam reconstruir a rotina, o Brasil encara uma pergunta difícil: como garantir segurança sem perder a essência educativa da escola?
O Ataque em Caxias do Sul: Medo, Insegurança e a Dificuldade de Voltar
Em 1º de abril de 2025, três alunos do sétimo ano da Escola Municipal João de Zorzi, em Caxias do Sul (RS), atacaram pelas costas uma professora de inglês com facas, seguindo um plano premeditado pelas redes sociais.
Clima de tensão
Mesmo com o retorno das aulas dois dias após o episódio, o ambiente segue carregado. Professores evitam virar as costas à turma. Uma mãe passou a acompanhar a filha até a porta da escola todos os dias. “Ela ficou com medo e não entendeu bem o que aconteceu”, relatou.
Impacto psicológico
Juliana, professora da rede, confessa: “Ainda tenho uma mistura de sentimentos que não consegui entender. Mas sei que me sinto muito insegura.”
Medidas de Segurança e Ações Imediatas
Após o ataque, a prefeitura intensificou a segurança nas escolas:
Patrulhamento reforçado
Instalação de portões com campainha
Botões de pânico
Reforço no programa “Escolas de Paz”
A secretária de Educação, Marta Fattori, afirmou que medidas como mediação de conflitos e apoio psicológico itinerante passaram a integrar a rotina escolar.
O Trauma em São Paulo: Lembranças Que Não Cicatrizam
Em março de 2023, a Escola Estadual Thomazia Montoro foi palco de um ataque que chocou o país: um aluno de 13 anos esfaqueou uma professora e feriu outros educadores e estudantes. Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, não resistiu.
Ações após o ataque
A escola ficou fechada por 14 dias. Nesse período:
O prédio foi pintado e reformado
Ocorreram rodas de conversa, sessões de acolhimento e oficinas lúdicas
Psicólogos, ONGs e voluntários ajudaram na reconstrução do ambiente
Marcas invisíveis
A professora Ana Clélia Rosa, uma das vítimas, relata: “Por mais que tivessem limpado, você ainda via uma sombra de sangue na porta. Isso foi o mais difícil de tudo.”
A Perspectiva dos Profissionais: Trauma e Transformação
Cinthia Barbosa, que conteve o agressor na Thomazia Montoro, afirma que a vivência mudou sua atuação profissional. Ela passou a estudar direito e prevenção de ataques. “A escola precisa ser um espaço de socialização. Isolamento é sempre sinal de alerta.”
Andrea Oliveira, ex-secretária da escola, só começou a sentir os efeitos do trauma meses depois: “Hoje, qualquer barulho fora do comum me assusta.”
Protocolos e Estudos: Como Lidar com o Pós-Ataque
A psicóloga Elaine Alves, da USP, destaca a necessidade de protocolos específicos para diferentes tipos de tragédia:
Ataques ativos exigem o fechamento temporário da escola
Atendimento deve ser imediato, contínuo e com equipe multidisciplinar
Os efeitos do estresse pós-traumático podem surgir anos depois
Ela também defende a criação de memoriais, como feito em Realengo (RJ), após o massacre de 2011, como forma de reconhecimento e prevenção.
Crescimento de Ataques nas Escolas Brasileiras
Segundo o relatório Ataques de Violência Extrema às Escolas, do D3e:
42 ataques entre 2001 e 2024
Mais da metade aconteceu entre 2022 e 2024
44 mortos e 113 feridos
Armas brancas (facas, machados) foram as mais usadas
A pesquisadora Cléo Garcia, uma das autoras, destaca a importância da escuta ativa e do planejamento estratégico para o retorno às aulas após ataques.
Operação Escola Segura: Um Caminho Possível
O Ministério da Justiça lançou a Operação Escola Segura em 2023, com:
Canal de denúncias anônimas
Monitoramento de ameaças online
Ações integradas com forças de segurança e plataformas como a SaferNet
Resultados:
De abril de 2023 a março de 2025 foram mais de 11.900 denúncias. Em 2024, as denúncias caíram 78%, indicando impacto das ações preventivas.
O Papel da Imprensa e da Comunidade
Caxias do Sul também enfrentou outro desafio: o impacto negativo da cobertura midiática. Fake news, exposição indevida de adolescentes e desinformação afetaram ainda mais a comunidade escolar.
Recomendações:
Evitar dar nome e rosto aos autores
Foco nas vítimas e nas soluções
Comunicação transparente entre escola, imprensa e comunidade
Reflexão Final: A Escola Precisa Ser Cuidadora e Cuidadosa
Não se trata apenas de reagir a ataques, mas de construir espaços de convivência onde vínculos, escuta e acolhimento sejam prioridade. A escola não é um quartel, mas também não pode ser deixada vulnerável.
Medidas urgentes incluem:
Presença fixa de psicólogos
Treinamento dos profissionais para situações de crise
Construção de vínculos com os alunos como forma de prevenção
Como reforça a professora Monique Queiroz, "não tem como dizer que já passou". A dor permanece — e precisa ser reconhecida.
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