Paulistão Feminino: Jogadoras denunciam ameaças e machismo de árbitro
Durante partida em Santana de Parnaíba, atletas do Red Bull Bragantino relataram falas machistas e ameaças vindas da arbitragem. Federação e clubes manifestaram apoio às jogadoras.
- Por Fabiano Alves
18/05/2025 | Atualizado em 18/05/2025 - 12h50

Introdução
"Na hora certa, vou te pegar." A frase, dita por um árbitro durante uma partida oficial do Campeonato Paulista Feminino, escancarou uma ferida ainda aberta no futebol brasileiro: o machismo institucionalizado. O episódio, ocorrido na última quinta-feira (15), no Estádio Municipal Prefeito Gabriel Marques da Silva, em Santana de Parnaíba (SP), mobilizou clubes, atletas e a Federação Paulista de Futebol (FPF) em torno de um debate urgente sobre respeito e igualdade no esporte.
As jogadoras Stella e Aline Milene, do Red Bull Bragantino, foram as protagonistas de uma denúncia corajosa, revelando não apenas ameaças verbais, mas também a omissão diante de gestos protocolados de alerta para atitudes preconceituosas. O caso levanta um importante questionamento: o futebol feminino brasileiro é, de fato, um ambiente seguro e acolhedor?
O episódio em campo: ameaças e desrespeito
Durante a partida contra o São Paulo, que terminou em 3 a 0 para o time tricolor, jogadoras do Red Bull Bragantino relataram ofensas e ameaças feitas por um árbitro escalado para a partida. Segundo Stella, meio-campista da equipe, o árbitro teria dito: “Na hora certa, vou te pegar.”
A jogadora também relatou que, diante das falas preconceituosas, fez o gesto orientado pela Federação Paulista de Futebol (FPF) para denunciar episódios de discriminação. O protocolo, no entanto, não teve qualquer efeito prático durante a partida.
“Todo mundo ouviu falas preconceituosas, machistas, com o Red Bull Bragantino e com as jogadoras do São Paulo. Fiz o sinal. A Federação adotou o protocolo de, em qualquer momento, de algum preconceito, fazer o sinal. Nada aconteceu. Uma situação muito triste", declarou Stella à TNT Sports.
A volante Aline Milene complementou o relato, afirmando que também foi alvo de ameaças veladas:
“Sofri a mesma coisa ali. Ele falou que iria dar falta quando quiser. Não é assim, tem que ter respeito."
Clube e Federação se manifestam
Diante da repercussão, o Red Bull Bragantino e o São Paulo Futebol Clube manifestaram solidariedade às atletas e cobraram providências. Em nota oficial, o São Paulo destacou o papel das mulheres na construção de um ambiente mais justo no futebol:
"É com a valentia e a força de mulheres que trabalham diariamente para ganhar espaço, que reforçamos que não aceitamos conviver com machismo e ofensas no futebol feminino."
Já a Federação Paulista de Futebol (FPF) afirmou estar conduzindo “uma apuração detalhada dos fatos”, reforçando o compromisso de manter o futebol como um espaço “seguro, inclusivo e respeitoso para todas as pessoas envolvidas”.
A omissão da súmula oficial
Um dos aspectos mais controversos do caso é a ausência de qualquer citação dos episódios na súmula oficial da partida. O documento, assinado pela equipe de arbitragem, não menciona ocorrências “anormais” ou condutas inadequadas.
Na súmula, constam apenas seis cartões amarelos, sendo um deles aplicado à própria Aline Milene. Dois cartões foram justificados por uma discussão entre jogadoras no final da partida. O silêncio do documento oficial gerou ainda mais indignação entre atletas, torcedores e comentaristas.
Futebol feminino e a luta contra o machismo estrutural
O episódio reforça uma realidade que muitas jogadoras enfrentam diariamente: o machismo estrutural dentro e fora de campo. Mesmo com o crescimento da modalidade, com clubes investindo mais e a mídia ampliando a cobertura, as mulheres no futebol seguem enfrentando barreiras que vão além da técnica e do desempenho físico.
Casos como o relatado por Stella e Aline evidenciam a urgência de capacitação e punição para comportamentos abusivos, especialmente entre membros da arbitragem, que têm papel central na condução ética das partidas.
Histórico recente: avanço ou retrocesso?
Apesar dos avanços visíveis — como o crescimento da audiência do Brasileirão Feminino e a recente vitória histórica do Brasil sobre os Estados Unidos — o futebol feminino brasileiro ainda convive com casos frequentes de discriminação.
Um levantamento de 2023 da ONG Think Olga revelou que 76% das jogadoras já sofreram algum tipo de preconceito dentro do ambiente esportivo, sendo os principais deles relacionados ao machismo, racismo e homofobia.
A importância do protocolo e sua aplicação
Desde 2022, a FPF implementou um protocolo de combate ao preconceito no futebol feminino. Entre as ações previstas está o gesto em campo, realizado pelas atletas, para indicar a presença de atitudes discriminatórias.
No entanto, como apontado pelas jogadoras do Bragantino, a falta de resposta ao sinal demonstra a fragilidade do protocolo sem ações efetivas. Especialistas defendem que o protocolo precisa de atualização e de sanções claras para garantir que episódios como esse não sejam ignorados.
Reações do público e da mídia esportiva
Nas redes sociais, o caso teve grande repercussão, com torcedores, jornalistas e ex-atletas expressando apoio às jogadoras. A hashtag #RespeitoNoFutebolFeminino chegou aos trending topics do X (antigo Twitter), impulsionada por movimentos feministas e páginas especializadas em futebol feminino.
A imprensa esportiva também repercutiu o caso com destaque, especialmente veículos como TNT Sports, GE.globo e UOL Esporte, que entrevistaram especialistas sobre o impacto do machismo na arbitragem.
O que dizem as especialistas?
A advogada e pesquisadora de gênero no esporte, Dra. Carolina Fernandes, afirma que o episódio deve ser considerado grave:
“A arbitragem representa a autoridade máxima dentro de campo. Quando essa autoridade age com abuso, especialmente em contextos de desigualdade histórica como o futebol feminino, isso enfraquece todo o sistema de proteção que tentamos construir.”
Ela defende a criação de um canal independente de denúncias e a formação de árbitros com enfoque em diversidade e respeito como passos fundamentais.
Próximos passos: o que esperar da FPF e dos clubes
A pressão popular e institucional pode resultar em mudanças. A expectativa é que a FPF anuncie nos próximos dias as medidas tomadas após a apuração interna.
Entre as possibilidades estão:
Afastamento do árbitro envolvido até o fim das investigações;
Atualização dos protocolos de denúncia com respostas automáticas e visibilidade em tempo real;
Capacitação obrigatória para árbitros e assistentes sobre igualdade de gênero e comportamento ético;
Criação de um comitê de equidade no futebol feminino.
Conclusão
O caso envolvendo Stella e Aline Milene vai além de uma partida de futebol. Ele expõe, de forma direta e dolorosa, as barreiras que mulheres enfrentam para praticar o esporte com dignidade e segurança. A resposta da sociedade e das instituições determinará se o futebol feminino brasileiro está pronto para dar um passo real rumo à igualdade.
Para Curitiba, cidade com crescente participação no esporte feminino e destaque em competições estaduais, o episódio serve como alerta e inspiração para fortalecer iniciativas locais de respeito, inclusão e valorização das atletas.
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