Reino Unido rompe tradição e apoia plano de autonomia do Marrocos para o Saara Ocidental
O Reino Unido surpreende ao abandonar neutralidade histórica no conflito do Saara Ocidental e se alinhar ao plano marroquino, em movimento que envolve bilhões em investimentos e reacende tensões diplomáticas no norte da África.

Mudança geopolítica histórica com impacto direto no Magreb
Durante visita oficial a Rabat, no último domingo (1º), o novo chanceler britânico, David Lammy, anunciou que o Reino Unido passa a apoiar o plano de autonomia limitada proposto pelo Marrocos para o território do Saara Ocidental. A decisão marca uma reviravolta na postura britânica, que por décadas defendeu a realização de um referendo de autodeterminação sob supervisão da ONU – uma proposta que nunca saiu do papel desde 1991.
A mudança aproxima o Reino Unido da posição de países como Estados Unidos, França, Alemanha e Espanha, que nos últimos anos abandonaram a neutralidade e passaram a apoiar a proposta marroquina. O gesto acontece em sincronia com planos de grandes investimentos em infraestrutura no Marrocos, país que, ao lado de Espanha e Portugal, sediará a Copa do Mundo de 2030.
Investimentos bilionários e interesses britânicos
Segundo o comunicado britânico, o novo alinhamento diplomático vem acompanhado de uma promessa de 33 bilhões de euros em compras públicas para empresas do Reino Unido nos próximos três anos, majoritariamente em obras e serviços relacionados à Copa do Mundo. A decisão sugere que interesses comerciais e estratégicos pesaram na guinada da política externa britânica.
Reação da Argélia e tensão com a Frente Polisário
A Argélia, país vizinho que abriga refugiados do Saara Ocidental e apoia a independência da região, reagiu com severas críticas à nova posição britânica. Em comunicado, a chancelaria argelina declarou que o plano marroquino “nunca foi levado a sério” e alertou que a decisão de Londres não equivale a um reconhecimento formal da soberania marroquina.
“O plano não foi submetido ao povo saarauí nem reconhecido como solução legítima pela ONU”, afirmou o governo argelino.
A Frente Polisário, grupo armado que luta pela independência da região desde os anos 1970, também não reconhece o plano de autonomia, e acusa o Marrocos de manter uma ocupação ilegal sobre o último território africano ainda considerado “não autônomo” pelas Nações Unidas.
Histórico do conflito: cinco décadas de disputa e estagnação diplomática
O Saara Ocidental, com cerca de 266 mil km² e 600 mil habitantes, vive um impasse desde a retirada da Espanha, sua potência colonial, em 1976. Na ocasião, o Marrocos ocupou o território, e a Frente Polisário proclamou a República Árabe Saarauí Democrática (RASD), reconhecida por dezenas de países e pela União Africana.
Um cessar-fogo intermediado pela ONU em 1991 previa a realização de um referendo sobre a autodeterminação da região, mas o processo foi paralisado por divergências quanto às regras e ao eleitorado.
Região disputada do Saara Ocidental: o muro marroquino (linha vermelha) isola parte do território – Fonte: Wikimedia Commons
Desde 2020, após uma operação militar marroquina romper o frágil cessar-fogo, a Frente Polisário retomou ataques contra posições marroquinas, especialmente ao longo do muro de areia de 2.700 km que divide o território.
A ONU estima que mais de 173 mil refugiados vivem em campos na Argélia, em condições precárias, aguardando uma solução política para o impasse.
Cresce a tendência internacional de apoio ao plano marroquino
2020: EUA reconhecem a soberania marroquina em troca de acordo com Israel (Acordos de Abraão)
2022: Espanha apoia o plano de autonomia
2023: Alemanha adota posição favorável
2024: França se alinha à proposta de autonomia
2025: Reino Unido se junta ao bloco de apoio
📎 Leia mais sobre a posição da ONU e o impasse do referendo
Conclusão: pragmatismo geopolítico versus autodeterminação
A adesão britânica ao plano marroquino reflete uma nova fase do conflito: o enfraquecimento da via referendária e o fortalecimento de soluções pragmáticas com respaldo econômico. No entanto, a ausência de consulta ao povo saarauí mantém viva a denúncia de colonialismo e gera novos focos de tensão no norte da África.
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