Sob facções e operações, população de favelas vive traumas e adoece
Ação da polícia nos complexos do Alemão e da Penha expõe impacto à saúde mental e física dos moradores e levanta debate sobre eficácia do enfrentamento armado.
Familiares se abraçam durante ato em memória das vítimas da Operação Contenção, no Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. O clima é de luto e solidariedade entre moradores. Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil Ação da polícia nos complexos do Alemão e da Penha expõe impacto à saúde mental e física dos moradores e levanta debate sobre eficácia do enfrentamento armado.
Operação Contenção no Rio deixa 121 mortos e revela efeitos devastadores à saúde mental de moradores. Especialistas criticam modelo de enfrentamento.
Na última terça-feira (28), a maior e mais letal operação policial dos últimos anos no Rio de Janeiro, batizada de Operação Contenção, deixou ao menos 121 mortos nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da cidade. A ação causou pânico, interdições e paralisações de serviços públicos, além de um rastro invisível de sofrimento: doenças físicas e mentais que acometem a população exposta à violência extrema e crônica. Para o professor José Claudio Sousa Alves, referência em segurança pública, “é uma bomba invisível”.
O peso da violência e o impacto na saúde das comunidades
A brutalidade da operação evidenciou consequências silenciosas que vão muito além dos números de mortos e presos. Um estudo do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) revelou que moradores de áreas com alto índice de tiroteios têm o dobro de chances de desenvolver ansiedade e depressão em relação àqueles que vivem em comunidades mais tranquilas.
A pesquisa também aponta que 73% dessas pessoas enfrentam insônia e 42% têm hipertensão arterial. Entre os sintomas frequentes, estão sudorese, tremores e crises de pânico. “É uma bomba que explode todos os dias e destrói por dentro”, resume Sousa Alves.
A moradora Liliane Santos Rodrigues, do Complexo do Alemão, que perdeu o filho em uma perseguição policial seis meses atrás, participou de um protesto contra a operação: “Ver outro jovem morto no mesmo local que meu filho foi baleado me tirou o sono. São noites em claro desde então”.
Alvo da operação: o Comando Vermelho e o território da dor
Segundo a Secretaria de Segurança do Rio, os complexos do Alemão e da Penha funcionam como base do Comando Vermelho, maior facção do estado, que abriga lideranças de diversas regiões. A coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF, Carolina Grillo, explica que essas regiões oferecem “maior contenção armada” e rotas de fuga, dificultando o trabalho da polícia.
Porém, as operações, mesmo com 113 prisões e toneladas de drogas apreendidas, não afetam significativamente a estrutura do Comando Vermelho. “Quem sofre são as famílias, os moradores, as crianças traumatizadas. A facção continua ali”, afirma Grillo.
Além disso, o crime organizado tem ampliado sua atuação: não lucra apenas com drogas, mas com a exploração econômica dos territórios — vendendo acesso à internet, gás, água, cobrando taxas e controlando serviços. Segundo o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, as drogas representam apenas 10% a 15% da receita das facções.
Alternativas ao confronto armado e o desafio da inclusão
Apesar da escalada de confrontos, os especialistas defendem outros caminhos mais eficazes e menos violentos para combater o crime organizado. A Operação Carbono Oculto, que desmantelou a estrutura financeira do PCC sem um único disparo, é exemplo citado por Carolina Grillo: “Essas ações têm impacto real no desmonte das facções, ao contrário das operações de confronto”.
Além disso, ambos os especialistas enfatizam a importância de oferecer oportunidades reais aos jovens das favelas, como forma de interromper o ciclo de recrutamento pelo crime. O Pronasci Juventude, do Ministério da Justiça, é citado como política promissora, por focar em educação e capacitação profissional.
José Claudio Sousa Alves vai além: “Não há planos para essa massa de jovens que não acessa o mercado de trabalho. O tráfico se beneficia disso. É um problema estrutural de um país que precariza sua juventude”.
Conclusão reflexiva
A Operação Contenção, além de ser um marco trágico na história recente do Rio, escancara uma realidade há muito denunciada: o custo humano e social do modelo de segurança baseado no confronto armado. Moradores traumatizados, famílias destruídas e territórios sob tensão constante são apenas parte das consequências.
Enquanto o Estado mantiver sua atuação concentrada em ações bélicas e ignorar as raízes sociais da criminalidade, as facções continuarão a se fortalecer, e a população — especialmente a periférica — continuará a pagar um preço alto. O futuro da segurança pública no Brasil exige um novo olhar: inclusivo, estratégico e menos letal.
Você acredita que as operações policiais desse tipo realmente contribuem para reduzir o poder do crime organizado?




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