HQ “Doce Amargo”, de João Marcos Mendonça, retrata o impacto da tragédia de Mariana em Governador Valadares, dez anos após o rompimento da barragem.

Uma tragédia transformada em arte e memória

Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), o desastre que devastou comunidades e contaminou o Rio Doce segue vivo na memória de quem o presenciou. Entre as histórias que emergem nesta data, destaca-se a do quadrinista João Marcos Mendonça, morador de Governador Valadares, cidade mineira banhada pelo rio.

Seu novo álbum, Doce Amargo, lançado pela editora Nemo, é uma poderosa reportagem em quadrinhos sobre o cotidiano de sua cidade logo após a chegada da lama tóxica.

A obra, de 186 páginas, mistura memória pessoal e relato coletivo, dando voz às pessoas que viveram a tragédia longe dos holofotes.

Do diário ao quadrinho: o nascimento de “Doce Amargo”

João Marcos começou a escrever sobre o que via ainda nos primeiros dias da tragédia.

“Nós estávamos vivendo algo histórico, por isso comecei a fazer um diário”, contou o autor.

“O que me despertou para aquilo foi uma cena do caminhão do Exército distribuindo água. Foi um cenário de guerra.”

A partir das anotações feitas entre 2015 e 2016, o artista criou o roteiro e as ilustrações que hoje compõem o livro.

Ele e sua família são os protagonistas da HQ — e por meio da experiência deles o leitor compreende a angústia, o medo e a luta diária de milhares de moradores de Governador Valadares.

A lama chegou com o caos

A cidade, localizada a 328 quilômetros de Mariana, enfrentava racionamento de água por causa da seca duas semanas antes do rompimento da barragem.

Com a chegada da lama pelo Rio Doce, o problema se transformou em calamidade.

Caminhões-pipa e filas para conseguir água se tornaram rotina.

“Doce Amargo” mostra com riqueza de detalhes o drama cotidiano: o cheiro forte da água, os peixes mortos, as descargas racionadas e a incerteza do amanhã.

“Fiz o registro para contar o que eu estava vivendo. Quis mostrar o que não tinha nas TVs e na mídia”, explica João.

“Era quase um apocalipse. Os números estavam em todo lugar, mas eu queria registrar a dimensão humana da tragédia.”

O olhar de quem viveu

O estilo de João Marcos, com traços ágeis e influência do mestre Ziraldo, torna a leitura acessível e didática.

A HQ é voltada ao público jovem-adulto, mas pode ser lida por crianças e adolescentes, que encontram nela uma introdução sensível e realista ao tema ambiental.

O autor levou nove anos para concluir o projeto.

“Foi difícil reviver tudo aquilo para fazer a HQ. Aconteceram muitas coisas, então fiz um recorte do primeiro ano da crise”, diz.

“Quis dar uma ideia de como foi o primeiro ano.”

Do trauma à consciência ambiental

“Doce Amargo” vai além da memória pessoal: é um testemunho gráfico sobre os efeitos da degradação ambiental e da omissão institucional.

O quadrinho mostra como a falta de água e a contaminação do rio geraram problemas sociais profundos, afetando famílias inteiras e mudando o modo de vida de uma cidade inteira.

A HQ reforça o poder dos quadrinhos como instrumento de denúncia e educação ambiental, aproximando o público da dimensão humana de uma tragédia que, uma década depois, ainda busca justiça.

❓ Pergunta para o leitor:

Você acredita que a arte e os quadrinhos podem ajudar a preservar a memória e cobrar justiça em tragédias como a de Mariana?

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